Namibe: Agentes da Polícia de Guarda Fronteira acusados de rapto e ameaças

26.11.2020

As comunidades rurais da localidade do Ngolova, no município do Virei, querem ver esclarecido o rapto e detenção arbitrária do soba daquela localidade, António Silvano. Os mesmos têm sido ameaçados de morte com armas de fogo pela agente da polícia de guarda fronteira identificado por Elieth, que faz negócios de cabrito na mesma área com recurso às viaturas da corporação.

Texto de Daniel Elias

Durante o espaço “Mwangolê Fala Verdade”, edição de 11 de Novembro, o ancião mucubal António José Kepalawe, que foi o gestor das permutas de cabritos com a comida, e Arão António, filho, denunciaram que foram recrutados pelo agente da Polícia Nacional de nome Guimarães, a mando da agente Elieth, pertencentes à unidade policial de Guarda Fronteira no Namibe, afim de procederem esta operação de permuta de cabritos com bens alimentares, como fuba de milho, óleo e feijão.

Do acordo constava que o pagamento de Kepalawe, de 80 anos de idade, seria de 50 mil kwanzas por mês e o mesmo deveria arranjar uma pessoa de sua confiança para realizar a actividade de pastor dos animais, e este deveria ser pago pelo trabalho um valor de 30 mil kzs por mês. O ancião decidiu colocar neste lugar o seu filho, de nome Arão António, que diz ter cumprido com zelo o seu trabalho durante dois meses. Porém, ao notar que a parte contratante nunca mais se dignou em honrar com o pagamento das mensalidades, questionaram os patrões e estes, em resposta, ameaçaram que os levariam presos, tal como fizeram com o soba Silvano (quando?).

Recordam os denunciantes que nesta maratona de “candonga” em que os agentes utilizavam viaturas do Estado, a agente Elieth chegou de empunhar a arma de fogo contra o antigo gestor de negócios de nome Calumboa, isto na presença do soba Kaquarta de Khandy e de mais membros da comunidades do Ngolova, não tendo disparado porque os seus colegas Guimarães e Bebé, este conhecido como motorista do camião da policia, impediram e receberam-lhe a arma para que o mal não tivesse acontecido.

Aos microfones do NFV contaram o ocorrido e deixaram claro que, para além do uso de viaturas da polícia para fins pessoais, ameaças de morte com arma de fogo, a detenção do soba pelos agentes da policia da guarda de fronteira, também foram usados como força de trabalho barata que visou apenas satisfazer os interesses dos agentes negociantes.

Ngolova dista cerca de 200 quilómetros da cidade capital do Namibe. Kepalawe conta que, além da escravização, continua a ser enganado por estes “agentes da policia agora transformados em candongueiros ou negociantes de cabritos para fins pessoais”. Adiantou que já lhes colocou à disposição mais de 100 animais que transportaram na calada da noite com camião da policia, da mesma forma como tem trazido bens para permuta com animais à madrugada, às escondidas para que o negócio não seja feito aos olhos de todos.

“Encontraram-me no bairro Cinco de Abril e levaram-me ao Ngolova para fazer o negócio deles. Comecei a vender as coisas da mana Elieth, agora está a me doer muito. O negócio acabou. Cheguei aqui porque não querem me pagar o meu dinheiro. Combinamos que eu teria 50 mil kwanzas por mês e até hoje, são dois meses que trabalhamos e não nos  pagaram o nosso dinheiro”, disse Kepalawe, reclamando 100 mil kwanzas correspondente aos dois meses de trabalho.

De acordo com Arão, filho de Kepalawe, os bens alimentares que chegavam àquela localidade e os animais que recebiam após a troca era tudo levado no período da noite num camião da corporação até a cidade do Namibe e dali os animais eram transportados para serem vendidos nos mercados de Luanda. 

“O carro é da polícia. Usam mesmo aquele camião, chega e sai de lá de noite porque o Guimarães pediu ao meu pai para procurar um pastor dos animais, e o meu pai colocou a mim. Eu perguntei quanto ganharia e ele disse que seria 30 mil mensal. Trabalhei dois meses e até agora não fui pago. Só do Ngolova até aqui, no Namibe, paguei cinco mil kwanzas”, lamentou Arão.

Kepalawe, indignado com a situação, disse ao NFV que já trocou mais de 100 cabritos, e na tentativa de cobrar o seu dinheiro foi ameaçado de ser preso tal como fizeram com o soba da localidade António Silvano, que depois de ter trocado cabritos com  o feijão, mercadoria da agente Elieth, foi acusado de ter roubado alguns animais e como consequência foi raptado e posto na unidade da polícia de guarda fronteira no Namibe, onde permaneceu durante quatro dias sem culpa formada, tendo mais tarde sido trazido para o Ngolova e pressionado a pagar os animais.

“A mana Elieth levou negócio de feijão e deixou com o soba, ele trocou e depois deixou com o cunhado dele Calumboua,  pastor dos animais e este os entregou, mas ela acusou o soba António Silvano de roubar alguns cabritos, e foi buscar a policia guarda fronteira do Yona, que  lhe raptou”, esclareceu Arão, pastor do gado caprino que cuidava da troca com bens alimentares realizada pelo seu pai Kepalawe.

O POVO NÃO QUER VER MAIS POLICIAS CANDONGUEIROS NAQUELA LOCALIDADE

Os nativos, segundo disse Arão, estão revoltados com as ameaças com arma de fogo feitas pela agente Elieth naquela localidade e com a detenção arbitrária do soba António Silvano. 

“Por pouco ela matava. Pegou na arma AKM e pronta para atirar contra Calumboa, mas todo o povo ficou revoltado. Foi graças ao motorista Bebé, o agente Guimarães e o soba do Khandy “Virei” Kaquarta que impediram”, contaram.

O NFV contactou por telefone a agente Elieth para ouvir a sua versão sobre as acusações.

“Não sei como as pessoas são, porque ninguém está a preocupar-se com os meus animais que eles próprios sabotaram e roubaram. Eu sou de bom coração. Eles disseram que ali tem muita fome, vamos dar animais em troca. Levei a comida para troca e agora esta informação de que usei carros alheios e ameacei, isso não posso fazer, não corresponde à verdade”, disse Elieth.

NFV – Disseram-nos que a agente Elieth ameaçou a tiro o cidadão Calumboa, que podia disparar e partir-lhe as pernas, isso na presença do soba Kaquarta, do Khandy, e estiveram lá muita gente. Também dizem que tens feito o uso do carro da polícia levando mercadorias à noite, isso é verdade?

Agente Elieth – Isso não é verdade, por isso é que estou a perguntar se conhece o senhor Rui ou senhor Ernesto, que trabalha no BPC. Tenho conta empresarial no BPC e às vezes falo com ele para me ajudar a levantar valores avultados e ele vai dar o contacto do senhor que me tem alugado o camião que tem ido para lá.

NFV – Eles dizem que têm as matrículas do camião e que é da polícia fronteiriça.

Agente Elieth – Eu não sei. O senhor Silvano roubou os meus animais e tivemos informações de que ele fugiu para o Yona, lá pedimos contactos para saber se ele estava lá, e estava mesmo. Ele precisava vir aqui, e trouxeram-no, mas ninguém lhe fez mal, só para veres como este povo é mau e ingrato. Ele, mesmo detido, eu todos os dias levava comida para ele porque sabia que ele não tinha família aqui, mesmo ainda me roubando. Quem faria isto? Por quê que eles também não explicaram isto? Eu não levei mercadorias lá. Quem levou a minha mercadoria foi o senhor Rui, o português. Não fui eu.  Agora quem me vai dar arma para ameaçar eles? Se não quiserem me devolver os meus animais, Deus não vai deixar impune o que eles me fizeram. Roubaram os meus animais e Deus viu. Se não quiserem pagar meus animais não é necessário dizer mentiras, eu não sou maldosa, meus problemas quem resolve é Deus, não o homem. Eu não fiz algum mal, mas pelo contrário, ajudei. Eles falaram comigo dizendo: “Mãe, compre só milho e feijão”, e eu lhes disse que não tenho dinheiro. Nem imagino se fosse eu a levar. Diriam outras coisas. O senhor Rui quando fez a participação apresentou-me no SIC, disse que eu sou a dona da mercadoria. Agora veja, 95 animais vezes 22 mil e 500 kwanzas quanto é que eles me roubaram? Ninguém quer saber disso. Mas que Deus abençoa. Eu não fiz o que eles estavam a falar. A polícia vai investigar se eu fiz, então que se faça a justiça.

NFV – Em relação às dívidas de Kepalawe, que foi gerente do negócio, e de Arão, seu filho que foi pastor dos animais, o que tem a dizer?

Agente Elieth – Paguei ao senhor 40 mil kwanzas. Ele pediu que eu lhe desse dois sacos de fuba, peixe e dez mil kwanzas para deixar com a mulher dele. Vejamos: cada saco de fuba custa 22 mil kwanzas, porque um quilo de milho custa 250 kwanzas. Eu comprei dois sacos a cada 100 quilos de milho, que faz 22 mil e 500 kwanzas cada saco, os dois 45 mil. Ele, onde foi, levou um saco de fuba e onde ficou deixou outro saco de fuba para a mulher. Quem trouxe o recado para dar os sacos de fuba foi o Guimarães. Era o pagamento. Normalmente pagamos 25 mil e dei mais. Ele ainda vendeu o meu cabrito grande para chegar ao Namibe e foi de  boleia. É muito triste. Quando vêem muitas quantidades de comida eles pensam que já tens muito dinheiro. Dei o que pediu antes mesmo de fazer a troca e me fez uma má troca. A última troca de 850 mil kwanzas ele me deu 15 cabritos pequeninos de sete mil, quer dizer que aqueles animaizinhos pequenininhos me valeram por 53 mil. Todos nós ficamos tristes. Amanhã não faço mais isso. Não devo a eles, mesmo que devesse eu pagaria. Não sou assim. Uma pessoa que trabalha tem que ter a sua remuneração.

Em reação às declarações da agente Elieth, António José Kepalawe disse durante o espaço “Mwangolê Fala Verdade”, na sua língua nacional olukuvale, “makembe”, o que significa mentira em língua portuguesa. “É mentira. O soba Kaquarta, o agente Guimarães e inclusive o respectivo motorista do camião, vulgo Bébé, são os que impediram que Elieth disparasse contra Calumboa segurando a arma da Elieth e aconselharam-na a não disparar”.

O ancião desafiou a presença do soba António Silvano e do soba de Khandy, Kaquarta e o próprio Calumboa a estarem presentes para que as entidades de direito os ouçam e tirem ilações do que terá acontecido. Por outro lado, pedem ao Presidente João Lourenço, nas vestes de Comandante-em-Chefe, a corrigir o que está mal na corporação, defendendo que os meios da polícia sirvam os interesses preconizados e não a candonga. Também alertam os órgãos da segurança do Estado, SINSE, CIM e outras entidades afins para investigação deste caso que dizem presumir haver mão invisível de alguma patente alta por detrás deste cenário de oportunistas.

“Não temo estas ameaças, quero o meu dinheiro”, concluiu António José Kepalawe.

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